O fim do milênio se aproximava. Dezembro de 2000. O Campeonato Brasileiro daquele ano, chamado “Copa João Havelange”, foi organizado pelo conselho do Clube dos 13 (representantes dos 13 maiores clubes do Brasil, segundo ranking da CBF em 1987, e expandido para 20 posteriormente), por problemas judiciais enfrentados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), causados pelo Campeonato Brasileiro de 1999.
Ou seja: era um campeonato nascido no folclore brasileiro. Polêmicas, bastidores, política envolvida, interesses (escusos ou não) e muita dose de populismo, transformaram o Brasileirão 2000, o último do século e do milênio, num campeonato cheio de controvérsias e histórias pra eternidade. Uma delas, o surgimento, para o público nacional, da “Associação Desportiva São Caetano”, o Azulão do ABC paulista.
O esquadrão que jogou a “Copa João Havelange” de 2000, virou um time que nos recordaremos para sempre: Silvio Luiz, Japinha, Daniel (o capitão) Serginho e César; Claudecir, Adãozinho, Aílton e Esquerdinha; Adhemar e Wagner, comandados pelo icônico Jair Picerni, vive na memória de todos os brasileiros que vivenciaram esta época, com muito carinho e saudade do belo futebol apresentado por aqueles desconhecidos atletas de azul, que corriam, driblavam, defendiam e marcavam gols à profusão, desbancando clubes tradicionais e competindo, de igual para igual, com quem se colocava diante deles.
O temido “Azulão” de São Paulo, algoz dos grandes e finalista de Libertadores
O início deste século foi especial para o São Caetano: alçado, via Copa João Havelange, à elite do futebol brasileiro, o Azulão foi vice-campeão nacional em 2000 (a final foi disputada em janeiro de 2001) perdendo a final para o Vasco da Gama de Romário.
A ascensão do clube paulista seguiu: batendo os rivais no campeonato estadual, galgando posições em rankings da CBF e com estrutura e investimentos muito consistentes, o São Caetano foi se colocando no panteão das grandes equipes da época. No Brasileirão de 2001, termina novamente com o vice-campeonato, perdendo as finais para o Athletico/PR (da inesquecível dupla Alex Mineiro e Kleber Pereira), mas se classificando para a Copa Libertadores da América – aqui, o ponto alto da equipe a nível internacional.
Sim, em 2002, o São Caetano foi vice-campeão da Libertadores, feito atingido antes de potências do futebol brasileiro, como Corinthians, Fluminense, Internacional, Botafogo, Atlético-MG, entre outros. Com uma campanha consistente e recheada de bom futebol, o Azulão chegou a final contra o poderoso Olímpia, do Paraguai, e não fez feio: bateu os paraguaios em Assunción, por 1×0, podendo até empatar para se sagrarem campeões da América. Porém, o time de Ricardo Tavarelli e liderados pelo treinador argentino Nery Pumpido, “devolveu” na mesma moeda, no Estádio do Pacaembú, em São Paulo, vencendo por 2×1 no tempo normal e 4-2 nas penalidades.
O ano de 2004: belo começo, terrível fim.
Seguindo nas cabeças, o São Caetano era temido pelos rivais, mas ficava sempre no “quase”. Em 2003, ano de “entressafra” de bons resultados, foi eliminado nas quartas-de-final do Paulistão pelo Palmeiras, na Copa do Brasil pelo Botafogo, foi iniciar sua recuperação com mais um grande Campeonato Brasileiro, terminando na quarta colocação e com resultados expressivos principalmente contra os grandes de São Paulo.
O ano de 2004, o ápice: o clube, comandado por Muricy Ramalho, consegue o título de campeão paulista. A escalação histórica do clube do ABC está na ponta da língua dos amantes do futebol paulista: Sílvio Luiz (novamente); Ânderson Lima, Dininho, Serginho e Triguinho; Marcelo Mattos, Mineiro, Gilberto e Marcinho; Euller e Fabrício Carvalho.
Reconhece alguns nomes? Pois é: Marcelo Mattos foi campeão brasileiro com Corinthians (um dos capitães da conquista de 2005). Mineiro é o autor do gol que deu o título mundial para o São Paulo, em 2005. Gilberto esteve no elenco das seleções brasileiras das Copas de 2006 e 2010. Euller é o popularmente chamado por Galvão Bueno “o filho do vento”, histórico atacante com passagens marcantes por Palmeiras (campeão da Libertadores em 1999), Vasco (campeão brasileiro em 2000) e outros clubes.
Mas o mesmo ano de 2004 que trouxe tantas alegrias, também trouxe uma das maiores tristezas da história do clube e do futebol nacional: no meio de um jogo, no estádio do Morumbi, entre São Paulo e São Caetano, o zagueiro Serginho sofreu uma parada cardíaca e caiu na grande área do Azulão. As imagens e lembranças daquela tragédia, ecoam na memória de todos que a viveram. Quarenta minutos depois, o zagueiro veio a óbito, enlutando a equipe, cidade e todo o país, nesse infeliz acontecimento.
Declínio sem fim
Após a morte de Serginho, o Azulão foi penalizado pela CBF em 24 pontos. Não foi rebaixado naquele ano, mas as estruturas já estavam abaladas. Não havia clima para muitos dos que ali estavam, e iniciou-se um processo “forçado” de reformulação do elenco.
Em 2005, o principal “padrinho” e entusiasta do clube, o ex-prefeito de São Caetano Luiz Olinto Tortorello foi morto. Enquanto o antecessor era apaixonado pelo clube, o sucessor, José Auricchio Júnior, não era muito ligado ao clube. Com isso, o apoio da prefeitura se reduziu à cessão do estádio Anacleto Campanella por tempo indeterminado e só.
Parcerias de sucesso com a Cônsul (e a não oficial com Samuel Klein, antigo dono das “Casas Bahia”) também foram cortadas. A média de público como mandante (que não era alta), despencou. Após a morte do zagueiro, o time desapareceu da TV – situação completamente oposta aos anos anteriores, e que significava muito mais dinheiro aos cofres do clube.
O presidente do São Caetano e o médico do clube, respectivamente, Nairo Ferreira de Souza e Paulo Forte, foram acusados de homicídio doloso qualificado por motivo torpe. Ou seja: a bancarrota era cada vez visível, dada a situação praticamente irreversível em que se encontrava.
Para um time de proporções tão limitadas, qualquer pancada vinda de fora é de difícil absorção. Com o São Caetano, não foi diferente: se em 2005 escapou, o rebaixamento veio em 2006. Dali, o time nunca mais conseguiu se recolocar na elite do futebol brasileiro. A cada ano que se passava, os bons resultados foram rareando, rareando.
Atualmente
Em 2020, alegando problemas financeiros, o Azulão quase desistiu de disputar a Série D do Campeonato Brasileiro. Voltou atrás após pressão da CBF. Conseguiu o título da série A2 do Campeonato Paulista, ganhando o direito de participar da primeira divisão estadual, no outro ano – porém, em outubro, sofre a maior derrota de sua história: 9×0 contra o Pelotas/RS, em pleno Anacleto Campanella, escancarando a crise institucional e financeira que o clube vivia, há anos, sem previsão de acabar.
Após campanhas medíocres nas séries A1, em 2021, e na A2, em 2022, o São Caetano entrou em 2023 focado em se manter na segunda divisão paulista. Porém, o elenco extremamente fraco, além de erros administrativos no decorrer do começo do ano, fizeram com que o Azulão brigasse para não cair até a última rodada – o que aconteceu, após derrota para o Linense por 2×0, chegando no pior momento de sua história: a queda para a série A3 do Campeonato Paulista.
Não é prudente dizer que este é o fundo do poço para uma das maiores sensações do início deste século. Infelizmente. Se o céu é azul, alguém precisa desvendar as grandes fúrias do mundo ao querido e histórico Azulão as Américas, o Pequeno Gigante do Brasil.