Com a popularização do futebol feminino, além do maior investimento e da clara evolução técnica, cresce também o interesse da mídia sobre o tema. E isso acaba evidenciando alguns problemas que não existiam no futebol masculino, como, por exemplo, a relação de clubes e federações com jogadoras grávidas. Entenda!
Após uma batalha judicial que durou cerca de um ano e meio, a meio-campista islandesa Sara Björk Gunnarsdóttir comemorou nesta terça-feira, 17 de janeiro, uma vitória sobre o Lyon, da França, no Tribunal de Futebol da Fifa que joga luz sobre uma situação até então sempre cercada de dúvidas e preocupações no futebol feminino: o direito à maternidade durante a carreira profissional.
Com apoio jurídico do Sindicato Mundial de Jogadores Profissionais (FifPro), Sara Björk lutou para receber o salário integral por parte do clube durante toda a gestação, até entrar em licença maternidade. O Tribunal de Futebol da Fifa condenou o Lyon, clube oito vezes campeão europeu e considerado referência no futebol feminino mundial, a pagar U$ 82.094,82 (euros) à jogadora, valor referente à diferença entre os salários devidos e o que foi efetivamente pago no período.
De acordo com o processo, depois de deixar a França para fazer o acompanhamento da gestação com a família, na Islândia, Sara Björk passou a receber do Lyon apenas uma pequena parte do salário, correspondente ao cálculo do seguro social pelas leis francesas. A jogadora alega que viajou para seu país natal, em abril de 2021, no início da gestação, após entrar em acordo com o clube francês, já que não poderia continuar jogando.
Sara descobriu a gravidez no início de março de 2021, e seguiu treinando com a equipe, mas preferiu esperar para contar a novidade. Ficou no banco no primeiro jogo, contra o Brondby, pelas quartas de final da Champions League e, na partida de volta, dia 10 de março, foi titular e atuou por 60 minutos na Dinamarca.
Duas semanas depois, sentiu enjoos e até vomitou em um treino, na véspera do clássico contra o Paris Saint-Germain, pela semifinal da Champions League. No dia seguinte, foi chamada para entrar no intervalo da partida, mas pediu ao então treinador Jean Luc Vasseur para ficar fora do jogo. Na volta ao Lyon, decidiu que era hora de compartilhar a notícia com o clube e as colegas de time.
“O médico (do Lyon) disse que eu devia parar de jogar naquele momento. Muitas pessoas na equipe tinham tido Covid, que continuava nos rondando. Estava preocupada com o que poderia acontecer se eu pegasse, não sabia como isso poderia afetar o bebê. Eu só queria levar o restante da gravidez em casa, na Islândia, onde eu poderia falar com os médicos no meu idioma, junto com a minha mãe, meu namorado e minha família. Então eu pedi ao diretor (do Lyon) e ele disse sim”, contou Sara Björk em um artigo publicado nesta terça no site The Players Tribune.
“Mas eu queria voltar ao Lyon depois do parto. Isso era muito claro para mim. Eu pensava que ser a primeira jogadora do Lyon a retornar aos campos após uma gravidez seria algo que todas nós poderíamos comemorar juntas. Então o clube apoiou meu plano, me ajudou com a papelada para o seguro social e eu voei para a Islândia no dia primeiro de abril (de 2021)”, prosseguiu a jogadora.
Os planos, no entanto, mudaram tão logo Sara Björk recebeu o primeiro salário após a viagem, muito abaixo do valor integral. Titular absoluta da sua seleção, a islandesa foi contratada em junho de 2020, após quatro temporadas de imenso sucesso no Wolfsburg, tetracampeã do Campeonato Alemão e da Copa da Alemanha. Assinou contrato por dois anos com o Lyon, até junho de 2022.
Logo no início, em agosto de 2020, fez o gol que encerrou a vitória por 3 a 1 sobre seu antigo clube, Wolfsburg, na final da Champions League, a sétima do time francês. No fim da última temporada, em maio de 2022, já após o nascimento de Ragnar, Sara Björk foi campeã europeia novamente com o Lyon. Reserva, celebrou o título em campo com sua colega de time Amel Majri. A francesa já estava afastadas dos gramados, em reta final de gestação de Maryam, que nasceu no início de julho.
A reviravolta no caso da jogadora grávida
Quando decidiu levar o caso à Justiça, Sara Björk conta que recebeu, através do seu empresário, um aviso da diretoria do Lyon: se for à Fifa, não haverá mais lugar para ela neste clube. Durante o processo, o Lyon tentou mostrar que seguia as regras da legislação do país, e por isso nada devia à jogadora. A defesa de Sara, no entanto, alegou que um novo regulamento da Fifa garantia às jogadoras grávidas pagamento integral dos salários.
“Essa regra era bem nova, mas eu lembrava vagamente disso por causa de uma conversa informal com algumas jogadoras uma vez, antes de eu ficar grávida. Eu lembro que falávamos sobre ter filhos, e alguém disse ‘Ah, mas não há segurança para a gente’. E eu lembro especificamente que Jodie Taylor (jogadora norte-americana) estava sentada na mesa, e ela disse que o FifPro estava trabalhando nessa questão da gravidez e da licença maternidade para jogadoras profissionais”, relatou Sara Björk no artigo para a The Players Tribune.
Ragnar nasceu no fim de 2021, e em janeiro de 2022 Sara Björk retornou aos treinos no Lyon, e voltou a jogar em março. Mas, de fato, não se sentia mais parte do clube, e apenas cumpriu os três meses restantes de contrato. Em julho do ano passado, a islandesa se transferiu para a Juventus.
“Eu tive direito ao meu salário integral durante a gravidez e até o início da licença maternidade, de acordo com as regras da Fifa. Isto fazia parte dos meus direitos, e não pode ser questionado, mesmo por um clube grande como o Lyon. Essa vitória é maior do que eu. É como uma garantia de segurança financeira para todas as jogadoras que quiserem ter uma criança durante sua carreira. Não é um ‘talvez’ ou uma incerteza”, contou Sara Björk no artigo.
“Eu estou na Juventus agora, e estou feliz. Mas quero ter certeza de que ninguém vai passar pelo que eu passei novamente. E que o Lyon saiba que isso não está ok. Não é ‘apenas negócio’. É sobre meus direitos como trabalhadora, como mulher e como ser humano”, afirmou a jogadora.