Democracia Corinthiana: Quando o desejo de milhões se manifestou através de alguns

No cenário do futebol brasileiro, uma revolução única e marcante surgiu durante os anos 80, trazendo consigo um modelo de gestão inovador que transcendeu as quatro linhas do campo. A Democracia Corinthiana, movimento pioneiro encabeçado pelo Sport Club Corinthians Paulista, não apenas transformou a forma como o clube era administrado, mas também trouxe reflexões profundas sobre participação, igualdade e representatividade.

Através da análise da Democracia Corinthiana, é possível compreender como a paixão pelo futebol se uniu ao desejo por mudança social e política, resultando em um capítulo ímpar na história esportiva do Brasil. É por isso que esse artigo se propõe a explorar os fundamentos, as conquistas e o legado duradouro desse período que ultrapassou as fronteiras do esporte, impactando a sociedade brasileira como um todo.

O contexto político-social daquela época

Em 1982, o Brasil vivia o final de um período de regime militar. A população estava, desde 1964, proibida de votar para escolher o presidente da nação de forma direta, já que o chefe do executivo era escolhido por uma junta de militares nesse período. Com essa situação, o movimento “Diretas Já” começa a ganhar força em vários segmentos da sociedade brasileira e isso atingiu o futebol.

Nesse mesmo ano, o Corinthians elege seu novo presidente, Waldemar Pires. Pires tinha por característica dialogar mais com seus comandados, sobretudo os jogadores. Isso permitiu que Wladimir, Sócrates e Casagrande, que eram lideranças politizadas no plantel, ganharam espaço como vozes do Corinthians.

Democracia interna

Para mostrar que estavam empenhados em redemocratizar o Brasil, os jogadores do Corinthians passaram a adotar uma espécie de “democracia interna”, isto é, os jogadores votavam para decidir coisas como horário dos treinos e detalhes da concentração, decisões que tradicionalmente são tomadas por diretoria e comissão técnica.

Entretanto, a influência da equipe esteve longe de se restringir ao futebol. O Corinthians estampou em suas camisas frases de cunho político, trazendo as “Diretas Já” para o campo de jogo, em um momento que os grupos sociais já se articulavam para pedir a volta da democracia e a saída dos militares do poder.

Emenda Dante de Oliveira

O furor pela volta da democracia no país, somadas aos discursos e ações das lideranças de um dos clubes mais populares do Brasil, resultou em um grande comício, que contou com a participação de jogadores como Casagrande e Sócrates. No manifesto, as pessoas pediam o direito de votar para presidente e também a aprovação da emenda Dante de Oliveira.

Essa emenda propunha, entre outras coisas, que as eleições presidenciais fossem realizadas por voto direto em novembro de 1984, sem que houvesse nenhuma intervenção por parte dos militares para colocar no poder mais um que fizesse parte das forças armadas.

A frustração, o fim e o legado

Infelizmente para as lideranças corinthianas da época, o Brasil ainda teria que esperar mais dois anos para conseguir o direito do voto direto para presidente. A emenda não foi aprovada e os militares se mantiveram no poder, mesmo contra a vontade de boa parte da população, que já não via com bons olhos o regime.

A Democracia Corinthiana não deu os resultados que seus líderes esperavam e isso esfriou o movimento. Ainda no fim de 1984, Sócrates deixou o Timão para vestir a camisa da Fiorentina, da Itália. Além dele, Casagrande também deixou o clube rumo ao São Paulo, no início do ano seguinte. Com o fim do mandato de Waldemar Pires, a Democracia Corinthiana foi se encerrando de vez, até se tornar somente uma página da história do Corinthians.

No entanto, o legado deixado por ela é algo que nos faz pensar na importância da manifestação dos ídolos no sentido de pleitear melhorias para o país. Atualmente, vivemos em um mundo do futebol que é muito mais “profissional” e muito menos humano. Cada vez mais, patrocínios financeiramente vantajosos são firmados por clubes com grandes empresas de vários ramos, como apostas esportivas, ou instituições financeiras. É certo que atividades como as apostas são muito fortes no Brasil, plataformas como a ibet aposta esportiva, Bet365 e Sportingbet possuem uma atuação de grande expressão no país. O futebol é um esporte caro e isso aumenta a necessidade de firmar patrocínios com grandes empresas. É certo dizer que esses acordos são vantajosos para elevar o patamar do futebol, mas, em contrapartida, acabam afastando os jogadores e times do “mundo real”.

Com salários cada vez mais elevados para jogadores e clubes pensando somente na parte financeira, não existe nenhum estímulo para manifestações de cunho social ou político por parte deles, afinal de contas, você não questiona um status-quo que lhe afeta diretamente. Dessa forma, a Democracia Corinthiana foi um movimento único e que, muito provavelmente não ocorreria nos dias atuais, ainda que vivêssemos nas mesmas condições de 1982.