Engana-se quem pensa que futebol e religião não tem ligação. O maior exemplo de que ambos caminham (muitas vezes) lado a lado, veio da Itália, mais precisamente do Campeonato Italiano, na partida entre Inter de Milão e Fiorentina, disputada no estádio San Siro, em Milão. Entenda!
O relógio marcava 19h51 e 46 minutos do segundo tempo do duelo entre as equipes quando o meia marroquino Sofyan Armrabat, da equipe visitante, se aproveitou de uma pausa para atendimento médico ao colega Luca Ranieri e aproximou-se da linha lateral, onde comeu uma banana e bebeu água. Seria uma cena corriqueira, não fosse por um detalhe: a parada havia sido combinada pelos colegas, para que o jogador muçulmano pudesse se alimentar e quebrar o jejum do Ramadã, uma tradição religiosa que vem causando enorme controvérsia no futebol europeu.
O Ramadã é o nono mês do calendário islâmico, que em 2023 vai de 22 de março a 21 de abril, época na qual os muçulmanos devem permanecer sem comer ou beber nada desde o nascer até o pôr do sol. Algumas das maiores estrelas da bola, como os franceses Karim Benzema e N’Golo Kanté, o egípcio Mohamed Salah e o senegalês Sadio Mané, entre tantos outros, são muçulmanos e seguem o jejum à risca.
Muitos clubes, como o Liverpool, adaptam sua rotina neste período, por, exemplo, excluindo os treinos no período da tarde, de modo a não prejudicar a saúde e rendimento de seus atletas. Nem todas as federações e ligas, no entanto, têm tão sido compreensivas.
Veja como as ligas da Itália e outros países europeus lidam com a situação
Em 30 de março, a Federação Francesa de Futebol (FFF) e a Comissão Federal dos Árbitros do país reafirmaram a proibição da interrupção de jogos para permitir que jogadores muçulmanos quebrem o jejum ao anoitecer. A FFF justificou sua decisão no princípio de laicidade do Estado Francês e neutralidade religiosa do futebol. Em comunicado, a entidade sugeriu que os atletas muçulmanos quebrassem o jejum durante o intervalo ou quando houvesse uma substituição.
As reações foram imediatas. O lateral Lucas Digne, do Aston Villa e da seleção francesa, ironizou a decisão da FFF com emojis de insatisfação. Em outra postagem, ironizou: “Em 2023, podemos parar um jogo durante 20 minutos para tomar decisões [de arbitragem], mas um minuto para tomar água não pode”, citou, referindo-se às paradas do VAR.
Segundo a agência francesa RFI, torcedores do PSG levaram uma faixa provocativa na derrota para o Lyon no Parque dos Príncipes, com os dizeres “uma tâmara, um copo de água; os maiores pesadelos da FFF”. O caso ganhou ainda maior repercussão depois que o técnico do Nantes, Antoine Kombouaré, decidiu não relacionar Jaouen Hadjam, zagueiro de origem argelina, que se recusou a romper o jejum nos dias de jogos.
Neste debate, a Premier League foi pioneira ao autorizar que os atletas muçulmanos quebrem o jejum sempre que houver uma parada natural do jogo, como substituições ou consultas do VAR. Didier Digard, técnico do Nice e ex-jogador com passagem pelo futebol inglês, pediu que outras ligas sigam o exemplo. “Conhecemos a Inglaterra. Temos de admitir que eles são mais abertos do que nós sobre esse assunto e sempre foi assim. Seria bom que a França fizesse o mesmo, mas ninguém se preocupa porque não estamos em um país muçulmano.”
Conforme explica um fio no Twitter da página ‘Copa Além da Copa’, o estado francês tem o secularismo como um de seus pilares, mas muitos muçulmanos argumentam que essa característica tem sido utilizada para perseguir minorias no país.